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Reflexão

domingo, 17 de fevereiro de 2013

O JAGUNÇO TRAIÇOEIRO



  1925 foi o ano da morte de meu pai. No dia 13 de junho de 1925, eu estava dormindo na casa da minha irmã, na cidade. Cerca de meia-noite, surgiu um tiroteio para as bandas da cadeia pública. Era um tiroteio cerrado que durou cerca de meia hora. No dia seguinte, toda a cidade tomou conhecimento do fato: Pedro Costa soube que alguém da dele havia pegado o Chagas Firino em flagrante com sua empregada da cozinha. Chagas de cor branca e a empregada, Maria Preta, de cor preta. Tomando conhecimento do caso, o chefe político do município, Antonio Correia, mandou chamar a Chagas Firino em sua casa e convenceu-o de que o local mais seguro para ele era a cadeia pública, com guarda policial durante o dia e a noite, e que ele reforçaria a guarda com uns seis ou oito cangaceiros armados. O Chagas aceitou o argumento e trataram de pô-lo em prática.
  Antonio Correia conhecia Pedro Costa e sabia que ele ia se sentir desrespeitado e possivelmente tomaria medidas drásticas. Pedro Costa ficou desesperado quando soube da medida tomada por Antonio Correia. Seguiu para a sua Fazenda Umari, e lá, reuniu um sobrinho, um enteado, um primo e mais oito cangaceiros, com ele formando um grupo de doze homens. Entre eles estava um cangaceiro que sempre foi de Antonio Correia, mas tinha se desgostado por causa de uma prisão feita pela policia. No caminho para a cadeia, um soldado passou a mão no fundo das calças dele e disse: “Deixa ver se ele está brelhado?” João encolheu-se e com uma rasteira e o braço derrubou três soldados. Como era seis soldados, levaram vantagens, deram-lhe umas cacetadas. O nome desse cangaceiro era João Ricardo, era um cangaceiro valente e perverso. Quando saiu da prisão, fugiu da cidade e foi se oferecer a Pero Costa para morar na Fazenda Umari. Pedro Costa aceitou para fazer afronta a Antonio Correia. No dia do plano de Pedro Costa para seqüestrar o Chagas Firino da cadeia, ao se prepararem na Fazenda para seguirem, João Ricardo pediu a Pedro Costa para ir na frente a fim  de tomar a bênção a sua mãe nas proximidades da cidade, onde morava a velha. Pedro Costa consentiu. João Ricardo seguiu de chicote fincado no burro a toda carreira, foi direto para a casa de Antonio Correia e avisou o plano de Pedro Costa. Em minutos, Antonio Correia reuniu cerca de dez cangaceiros, incluindo o próprio João Ricardo, e mandou reforçar a guarda da cadeia.
  Quando Pedro Costa se aproximou uns 100 metros da cadeia, foi recebido à bala, se ocultaram por trás da casa onde morava o pai de Chagas Firino, o velho Chico Firino. Tiroteio durou uma meia hora, o Pedro Costa se convenceu da impossibilidade de vitoria, quebrou a porta da casa do velho Chico Firino e seqüestrou-o seguindo para Arneiroz, nos Inhamuns, onde tinha grande parte de seus parentes, passando antes  no sítio Serrote, onde estava  a Maria Preta já pronta para viajar. Seguiram sem parar aquelas vintes léguas.
  No dia seguinte, meu pai, já acometido de uma congestão ou “ramo” como diziam os camponeses, causada por ele estar dormindo num quarto abafado e se levantou atendendo um chamado de um vizinho, disse a uma pessoa de casa: “Eu estou sentindo uma coisa ruim no corpo”. Quando o dia clareou, foi para a cidade e lá andou fazendo alguma gestões para ver se acalmava aquela situação. Começou demonstrar agitação. Voltou para a casa e constatamos o seu estado de saúde. Já não falava mais certo, tivemos que prendê-lo num quarto e ficar de quatro a cinco homens para impedir que ele saísse correndo. Não se alimentou mais de coisa nenhuma, nem bebeu água. Durou apenas doze dias e morreu  de fome e sede, com a casa cheia de mantimento.
   Durante a sua doença, apareceu um político e parente dos Inhamuns, Antonio Colô, o qual pertencia à mesma corrente política no Estado a que pertencia Antonio Correia. Vinha tentar uma reacomodação para Pedro Costa voltar, visto que não tinha cabimento continuar mantendo Chico Firino como refém para trocar pelo filho Chagas, a fim de casá-lo com Maria Preta. Antonio Correia disse àquele seu correligionário que o Pedro Costa podia voltar trazendo o velho Firino, que nada lhe aconteceria. Era 25 de junho de 25.
  Havia na cidade um farmacêutico prático muito entendido. Chamava-se Raimundo Siebra e tinha um filho que era igual a ele, Jorge, que vivia curando doentes por todo município. Morava em sua fazenda – Fortuna – mas demorava temporada na casa de seu pai na cidade. Era um político agitado, como Pedro Costa, e também adversário do Antonio Correia, ao ponto de João Ricardo juntar-se ao a um irmão e outro rapaz e seguirem em direção à Fortuna, disposto a matar Jorge Siebra. Chegaram no Sanharol, no dito sitiozinho de meu pai, à  meia-noite, quando começou uma chuva fina. Os três bandidos saíram da estrada e se encostaram no alpendre da casa de Antonio Preto. Este estava acordado, levantou-se e ficou junto da porta escutando aquela conversa dos homens estranhos. Um deles insistia em perguntar para onde iam e o que iam fazer. Diante da insistência, um que parecia ser o chefe dos outros, respondeu que logo adiante ele saberia de toda empreitada. Saíram pela estrada do Iputi.
  Chegando no sítio São Vicente, o João Ricardo convidou para irem fazer um trabalho naquela casa grande, dizia ele. A casa era do padrinho de Chico Vara Seca. O rapaz que ia acompanhando sem saber de nada foi logo indagando: o que vamos fazer aí? Os cachorros já estavam alarmando e o dono da casa já estava encostado na porta com uma espingarda na mão escutando aquele movimento estranho. João Ricardo respondeu: “Aqui vamos assaltar e roubar e na frente  vamos para a Fortuna matar Jorge Siebra, é isso o que você quer saber?” Chico Vara Seca respondeu exaltado dizendo que “nessa casa mora meu padrinho Francisquinho Bezerra e eu tomo a defesa dele como também não foi ajudar a matar Jorge Siebra, que ele é um homem muito bom para os pobres”, e foi se preparando para reagir, mas o chefe do grupo, João Ricardo, mais ágil, sacou do rifle e disparou, matando o Chico Vara Seca e convidando o segundo rapaz, que era seu irmão Doca Ricardo, para se afastarem de repente daquela casa, sabia que o dono da casa naquelas alturas já estava preparado para reagir e como estava dentro de casa, contava com vantagem. Assim desistiu do assalto e voltou para Várzea Alegre, deixando o companheiro morto no terreiro do Francisquinho Bezerra, que já tinha reconhecido ele e o seu irmão Doca. A justiça processou-o e condenou-o. Ficou cumprindo a sentença passando o dia pela calçada da cadeia pública contando anedotas e à noite indo dormir em sua casa. Em Várzea Alegre há uma festa de igreja muito animada do padroeiro São Raimundo Nonato, começando no dia 21 de agosto de cada ano e terminando dia 31 do mesmo mês. No mesmo ano de 1925, já no terceiro ou quarto dia da festa, meia-noite, os vizinhos de João Ricardo acordaram por gritos dele acompanhado de disparos de rifles. Saiu para fora de casa gritando: “eu te mato, cabra safado.”
  Quando o dia clareou na manhã seguinte, se espalhou a noticia: “mataram a mulher de João Ricardo e feriram ele em dois lugares”. Mais tarde surge o escândalo. João Ricardo, ferido no couro da barriga e no dedo indicador esquerdo, acusou Pedro Costa e Jorge Siebra de terem ido lhe matar e como não puderam, mataram a sua mulher. O incrível aconteceu. O delegado mandou prender Pedro Costa e Jorge Siebra. Durante a festa da igreja receberam muitas visitas de solidariedade.
  Não foi difícil para o advogado e o promotor público descobrirem que os ferimentos de João Ricardo tinham sido feito por ele mesmo, que depois de matar  sua própria mulher, continuou atirando e gritando. Para forjar ter sido ferido, o astuto bandido pegou o couro da barriga do lado esquerdo, puxou-o bem com os dedos polegar e indicador e com a mão direita encostou a boca do rifle e disparou. Não teve a lembrança de defender o dedo indicador que estava por baixo e o mesmo foi atingido pela bala.
  Provado isto, foram soltos Jorge Siebra e Pedro Costa. Jorge Siebra foi para a fazenda e no dia 10 de novembro de 1926 estava numa trincheira defendendo a farmácia de seu pai e a própria cidade em companhia de uns cinco moradores da fazenda e seu cunhado Joaquim Ferreira Lima. Deram prova de coragem porque, sentindo-se isolados do combate, seguiram em procura da casa de Dr. Serra, mesmo sem serem chamados como os dois camponeses que foram até a casa do Dr. Serra. Quando chegaram na trincheira do Marinheiro, onde estava Zé Leandro, este avisou-os das medidas tomadas. Como o combate já tinha se encerrado, ficaram ali mesmo até o amanhecer. 

  José Leandro
             do seu livro "Depoimento" 1988 Pag. a 28

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